Lei do superendividamento pode auxiliar na melhoria do cenário econômico do Brasil
Alteração no Código do Consumidor permite renegociação que pode resultar em reparcelamento de dívidas de consumo em até 60 meses...

Entre os desafios do próximo governo brasileiro, a área econômica se destaca. O fato do endividamento ter avançado muito nos últimos anos contribuiu para um cenário econômico desfavorável. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de famílias endividadas atingiu 79,3% do total de lares no país em setembro de 2022.
Uma regulamentação considerada ainda muito recente é um mecanismo importante para melhoria desse cenário: a lei do superendividamento, que entrou em vigor em julho de 2021 e prevê formas de tratar e prevenir essa "bola de neve" de débitos. "Essa alteração legislativa, que trouxe para dentro do Código do Consumidor alguns artigos, aponta caminhos para solução do superendividamento. Superendividado é aquela pessoa física que contrai um número de dívidas que não tem mais condições de pagar sem comprometer a sua sobrevivência. Pagando as parcelas das dívidas ele não teria dinheiro, por exemplo, para pagar necessidades básicas como aluguel ou material escolar para o filho. Nesses casos, a lei prevê uma ação judicial, reunindo todos os credores e com uma oferta de reparcelamento em até 60 meses, ou seja, cinco anos", explica o advogado especialista na área, Marcos Boschirolli.
Na prática, esse reparcelamento se dá por meio de uma audiência de conciliação em que o consumidor apresenta o plano de pagamento para os credores. Podem ser renegociados débitos considerados dívidas de consumo que não sejam de artigos de luxo, como contas de água, luz, telefone e gás, carnês e boletos, crediários, empréstimos com bancos e financeiras, inclusive cheque especial e cartão de crédito. "Nem sempre é fácil identificar o que é uma dívida de consumo. O financiamento de um veículo pode ou não ser considerado. Por isso, são muitas particularidades que precisam ser analisadas caso a caso", detalha o advogado, acrescentando que para comprovar a situação de superendividamento, a pessoa precisa calcular e demonstrar o chamado "mínimo existencial": "são os valores que te permitem sobreviver e ter uma certa qualidade de vida, como aluguel, combustível, alimentação, escola dos filhos, luz, água, telefone".
Essa mudança na lei veio em um momento propício, já que muitas famílias que já estavam em situação financeira crítica se viram ainda mais comprometidas com a crise provocada pela pandemia de Covid-19. "Em princípio, a lei parece favorecer que as pessoas se endividem. Mas não é isso. São analisados pelo judiciário os casos em que há necessidade efetiva de uma renegociação por conta de uma realidade econômica que se alterou, por exemplo, por conta de uma morte ou doença na família que altera parte da renda ou por uma separação. Enfim, situações que mudam o quadro financeiro da pessoa a ponto dela não ter como pagar as dívidas e sobreviver".
Dívidas rurais - Contratos com a chamada garantia real, como é o caso de financiamento imobiliário e crédito rural, não podem ser repactuados por meio da lei do superendividamento. Mas como o judiciário analisa cada caso, já existem decisões em que dívidas rurais se enquadram nessa renegociação. O caso de um suinocultor de Entre Rios do Oeste, no Oeste do Paraná, por exemplo, abriu essa possibilidade. "O judiciário se baseia na questão da sobrevivência do produtor rural. Ou seja, se ele contraiu dívidas necessárias e que tomaram uma proporção que o impede de ter o mínimo para sobreviver, o judiciário tem entendido que pode estender a lei do superendividamento para as dívidas contraídas na área rural, alegando o princípio da dignidade da pessoa humana".