CPI apontou falhas sistêmicas em casos de violência contra crianças na educação municipal de Cascavel
Relatório final apresentou inconsistências em procedimentos, omissões institucionais e ausência de protocolos entre 2019 e 2024
A CPI instaurada em 26 de junho deste ano para investigar a condução do processo disciplinar contra o servidor que abusou sexualmente de crianças em um CMEI foi concluída nesta quarta-feira (19), com a leitura e aprovação unânime do relatório final. A comissão foi formada pelos vereadores Everton Guimarães/PMB (presidente), Hudson Moreschi/PODE (relator), Contador Mazutti/PL (secretário), e pelos membros Antonio Marcos/PSD e Valdecir Alcantara/PP.
Ao todo, foram ouvidas 43 testemunhas, analisadas 1.281 páginas do processo e produzidas 123 páginas de relatório final. O documento será encaminhado ao prefeito municipal, à Controladoria-Geral e à Procuradoria Jurídica, recomendando que adotem medidas administrativas e disciplinares cabíveis, incluindo revisão de processos irregulares e responsabilização de servidores omissos ou negligentes.
O vereador Hudson Moreschi começou por detalhar as oitivas de mães e como estas evidenciaram a existência de falhas sistêmicas na rede de proteção à criança e ao adolescente. “Os depoimentos de Pollyanna Caxias Souza Ramos e Fabiana Mariano confirmam de forma inequívoca que o Agente de Apoio permaneceu em contato direto e regular com crianças no CMEI Vicentina Guisso, nos anos de 2022, 2023 e 2024, realizando atividades como troca de fraldas, recepção na porta e acompanhamento dentro da sala de aula”, relatou Hudson.
Em seguida, os depoimentos de 22 profissionais que atuaram nos CMEIs permitiram à CPI concluir, ainda que preliminarmente, a existência de falhas sistêmicas na rede de proteção à criança e ao adolescente, evidenciadas pela ausência de fluxos e protocolos claros para o tratamento de suspeitas de violação de direitos.
“Os depoimentos pintam um quadro de profundo desamparo. As mães passaram por fases de descrença inicial, medo de não serem levadas a sério e falta absoluta de informação sobre os canais de denúncia gratuitos (Conselho Tutelar, NUCRIA, Delegacias Especializadas)”, aponta o relatório.
Houve indícios e relatos de suspeita de violência sexual e física contra crianças em pelo menos dois CMEIs (Irmã Iolanda Guzman Bazan e Vicentina Guisso), envolvendo o mesmo agente de apoio, posteriormente condenado criminalmente; as direções dos CMEIs e a gestão da SEMED falharam no acolhimento das queixas, na notificação compulsória aos órgãos competentes e na adoção de medidas preventivas; o agente manteve contato direto com crianças mesmo após denúncias formais e sob investigação, contradizendo versões oficiais de afastamento preventivo; as famílias foram deixadas sem informação, suporte ou orientação, o que aprofundou o desamparo e a revitimização e profissionais de saúde e educação não atuaram de forma integrada, medicalizando sintomas e ignorando sinais de possíveis abusos.
Responsabilidade
O relatório pede a abertura de PAD contra Cátia Simone Wermuth, presidente do primeiro processo administrativo contra o abusador. Os vereadores apontam a inobservância do dever de eficiência, pela paralisia injustificada do PAD, devendo ser avaliada se isso a torna incompatível com a permanência no serviço público.
Indicam ainda instauração de PAD contra Cletírio Ferreira Feistler, à época Controlador-Geral do Município, para apurar as suas possíveis faltas funcionais pela omissão reiterada na fiscalização e na adoção de medidas para garantir a celeridade e eficiência do PAD, pela designação temerária de pessoal sem a qualificação necessária e pela incapacidade de resolver problemas estruturais sob sua gestão, causando grave prejuízo ao serviço público, decorrente de gestão passiva e inoperante que resultou na paralisia de um processo de alta gravidade.
Em relação à secretária de Educação, Márcia Baldini, o relatório sugere que ela se aproprie dos fluxos relacionados à violação de direitos e os faça cumprir, que a SEMED implante protocolos escritos de comunicação, acompanhamento e fiscalização de servidores sob restrição funcional, em especial em casos que envolvam violação de direitos de crianças e adolescentes. Ainda que não encontre indícios suficientes de conduta omissiva, negligente ou ilícita por parte de Marcia na condução de casos que envolveram violência sexual contra crianças e pedofilia em CMEIs e escolas, a CPI recomenda a abertura de PAD para apurar eventual falha da gestão da SEMED, a qual cabia garantir que o agente não tivesse contato com crianças, bem como se houve falha na comunicação entre os servidores e escolas que deveriam ter conhecimento das restrições e do processo em curso contra o Agente de Apoio Bruno Garcia Leite. A CPI também pede que seja investigada a conduta de Márcia Baldini em relação à possível obstrução de justiça, coação de testemunhas, tentativa de falsificação de documento e perseguição, alegações feitas por familiares e servidores.
O relatório pede ainda a abertura de PAD contra os seguintes servidores:
Maxsoel Schmidt, à época Assessor Técnico no Gabinete da SEMED, por deixar de assegurar que as restrições impostas ao Agente de Apoio fossem formalizadas por escrito quando da transferência do servidor e por não notificar o Conselho Tutelar do abuso.
Patrícia Gonçalves da Silva, então Diretora do CMEI Irmã Iolanda Guzman Bazan, para apurar as suas possíveis faltas funcionais pela negligência e omissão reiteradas.
Rosane Aparecida Brandalise Correa, Diretora do Departamento Pedagógico – SEMED, para apuração de negligência no exercício do cargo e descumprimento do dever de fiscalização inerente a seu cargo de gestão.
Francisca Rojo de Carvalho, Diretora do Departamento Administrativo – SEMED, para apuração de negligência na gestão de pessoal e omissão no dever de assegurar o cumprimento de restrições funcionais impostas a servidor sob sua esfera de competência.
Recomendações à prefeitura
O presidente da CPI, Everton Guimarães, explica que é necessária uma ampla estruturação funcional da Corregedoria com a contração de servidores em número capaz para atender satisfatoriamente as demandas do setor.
“Recomendamos a elaboração e o encaminhamento de projeto de lei que institua o Sistema Municipal de Enfrentamento à Violação de Direitos de Crianças e Adolescentes, conforme sugerimos no relatório”, explica.
Além disso, a comissão recomenda:
1. Implementação urgente de protocolos unificados e obrigatórios para atendimento de casos de violação de direitos.
2. Capacitação continuada de profissionais da educação e saúde para identificar sinais de abuso e realizar notificações.
3. Criação de Comitê Intersetorial de Enfrentamento à Violência.
4. Criação de canal de denúncia anônimo e centralizado.
5. Afastamento preventivo imediato de profissionais suspeitos, além de protocolos formais, sistema de acompanhamento de PADs, sindicâncias e auditorias periódicas.
Ministério Público
A CPI enviará ao Ministério Público do Paraná cópia integral do conjunto probatório para que a Promotoria competente avalie a materialidade e autoria de eventuais ilícitos penais e adote as medidas legais cabíveis, inclusive instauração de inquérito policial ou outras ações, priorizando a proteção integral das crianças envolvidas.