08 de dezembro de 2025

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Cascavel assume o protagonismo nacional na luta contra a violência política de gênero

Protocolo assinado na noite de sexta-feira (5), na presença do presidente do TRE-PR, fortalece mulheres, partidos e instituições já para as eleições de 2026

Cascavel assume o protagonismo nacional na luta contra a violência política de gênero
© Divulgação

Cascavel deu, na noite de sexta-feira (5), um passo histórico na defesa da participação feminina na política. A cidade oficializou o Protocolo de Prevenção e Enfrentamento à Violência Política de Gênero em solenidade na sede da OAB Cascavel (Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção de Cascavel), reunindo Judiciário, Executivo, Legislativo, Ministério Público, Defensoria Pública da União, forças de segurança e sociedade civil. O documento projeta o município na dianteira nacional na construção de soluções práticas para o tema.

“O protocolo hoje formalizado demonstra um nível de excelência inédito no Brasil. Isso não existe no País. Portanto, Cascavel deve assumir o protagonismo nacional”, destacou o presidente do TRE-PR, desembargador Sigurd Roberto Bengtsson. Com experiência direta nos casos que chegam à Justiça Eleitoral, ele citou exemplos que vão desde campanhas difamadas nas redes sociais até o episódio em que uma vereadora, ao tomar posse, foi obrigada a usar gravata por exigência regimental no Paraná.

Esforço coletivo

A iniciativa nasceu no início deste ano dentro da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB Cascavel, por meio do Grupo de Trabalho "Mulheres na Política" e, rapidamente, ganhou adesão de diversas frentes institucionais. Desde março, o projeto reuniu o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública da União, Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal, Polícia Federal, Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e Secretaria da Mulher, o Município de Cascavel, entre outras instituições que passaram a contribuir para fortalecer o documento de forma colaborativa.

Essa articulação foi determinante para consolidar um pacto robusto, como explicou a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB Cascavel, doutora Mayara Martins de Morais. O documento padroniza fluxos de denúncia, amplia o acesso à informação, organiza formações e cria condições reais para que mulheres eleitas, candidatas e atuantes na vida pública possam denunciar, acompanhar e enfrentar situações de violência política, inclusive, no ambiente digital, onde o cenário se agrava com rapidez.

Nessa caminhada, a OAB Paraná se soma como escudo, voz e apoio permanente, garantindo que advogadas, gestoras, candidatas e lideranças comunitárias exerçam seus papéis com segurança e liberdade. A conselheira estadual Doralice Marchioro - que representou o presidente Luiz Fernando Casagrande Pereira durante a cerimônia - reforçou essa missão ao lembrar que “a violência política de gênero não é teoria; ela tem rosto, atingindo mulheres que têm sua capacidade questionada ou sua presença contestada em espaços de poder”.

Rigor e sensibilidade

O caminho até a assinatura do protocolo foi intenso. O documento final, com 22 páginas, passou por 60 versões ao longo de meses. Entre junho e novembro, foram mais de 18 reuniões e inúmeras trocas entre instituições, garantindo rigor jurídico, sensibilidade social e amplitude constitucional.

Essa articulação reforçou compromissos históricos da advocacia, como destacou a presidente da 9ª Turma do TED, Camila Ricci, que representou a presidente da OAB Cascavel, Silvia Massaro, no ato. Ela lembrou que o enfrentamento à violência contra a mulher é política institucional da Ordem e que, desde 2019, uma súmula do Conselho Federal estabelece que esse tipo de violência - pública ou privada - configura falta de idoneidade moral, podendo levar à exclusão de profissionais. “O próprio Código de Ética torna a atuação com perspectiva de gênero uma obrigação de toda a advocacia”, completou.

Crime eleitoral

Embora tipificada no Código Eleitoral desde 2021 (Lei nº 14.192), a violência política de gênero segue como realidade preocupante no Brasil. Para a coordenadora do GT Mulheres na Política, doutora Juliana Luiz Prezotto, o problema é global e já é estudado há décadas pela ciência política, que o identifica como fator que afasta mulheres da vida pública e dificulta sua permanência. Países como a Bolívia, pioneira no tema desde 1999, reforçam essa leitura.

Nesse cenário, o protocolo de Cascavel avança alinhado a diretrizes consolidadas, como a Lei Modelo Interamericana da OEA (2017), o protocolo elaborado pelo TSE e pelo MPF(2022) e o Protocolo Estadual de 2024, hoje documento oficial do TRE-PR e da Procuradoria-Geral Eleitoral.

“Reconhecer esse tipo de violência como crime é um passo democrático fundamental, pois nenhuma forma de violência deve ser normalizada”, destacou Juliana, citando uma das inovações deste Protocolo: a possibilidade de adesão contínua. “Mesmo instituições sem atuação direta na área podem integrar o protocolo, apoiar ações educativas e assumir compromisso formal com o enfrentamento”.

Números que justificam a urgência

A procuradora eleitoral Eloisa Helena Machado, integrante do Grupo de Trabalho Nacional de Violência Política de Gênero do MPF, trouxe dados que escancaram a desigualdade. Embora as mulheres sejam 51% da população brasileira e 53% do eleitorado, representam apenas 34% das candidaturas e ocupam 17% das vagas eletivas no país.

O panorama internacional reforça o alerta. Estudos do BID mostram que a presença feminina permanece limitada nos altos níveis de decisão, e projeções estimam que a paridade global só será alcançada em 2158 - cinco gerações após a meta da ONU para 2030. No Brasil, a igualdade de gênero no Parlamento só deve ocorrer em 2080.

“Iniciativas como esta têm enorme relevância, inclusive no aspecto pedagógico”, afirmou Eloisa, destacando que ações dessa natureza garantem processos eleitorais seguros, inclusivos e livres de assédio, violência e desinformação.

Única mulher na atual legislatura de Cascavel, a vereadora Bia Alcantara anunciou a criação de um canal permanente de denúncias na Procuradoria da Mulher, garantindo encaminhamento imediato às autoridades. “Proteger essas vozes não é apenas defender mulheres; é proteger a própria democracia”, afirmou.

Reconhecimento e unidade

A cerimônia também reservou um momento de homenagens. Entre os reconhecidos, o desembargador Sigurd Roberto Bengtsson foi lembrado pela atuação firme no enfrentamento à violência política de gênero no Paraná. Pai de duas filhas, ele destacou o simbolismo do momento. “De todas as homenagens que já recebi, esta é a mais bonita e significativa”.

O prefeito Renato Silva também reforçou o compromisso do município com a agenda. Ele reconheceu a força das mulheres que rompem barreiras na política e afirmou que “precisamos de mulheres com o poder que vocês têm, o poder de transformar, liderar e ocupar o espaço público com liberdade. Contem comigo”.

O evento reuniu ainda representantes de Capitão Leônidas Marques, que busca implantar protocolo semelhante, dentre eles o promotor eleitoral Renato Cavalheiro. Também participaram o defensor público federal Rodrigo Felipe Rossetto; o presidente da Câmara de Vereadores de Cascavel, Tiago Almeida; o delegado da Polícia Federal Alexandre Messias Feitosa; a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Poliana Lauther; o juiz eleitoral Osvaldo Alves da Silva; a promotora eleitoral Simone Lorens; o secretário especializado Marcelo Silva, entre outras autoridades.

/Luiz Felipe Max - Foto: Divulgação

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