Escolas Rurais: Quando a vontade de ensinar e de aprender superam a pandemia
Processo de reinvenção de professores e alunos nas escolas do campo é ainda mais intenso; União de esforços é fundamental durante as aulas remotas...
Em tempos normais o acesso à escola por si só já é um desafio para muitas crianças que moram em áreas rurais. Algumas precisam madrugar para se deslocar até a parada do transporte escolar e percorrer longos quilômetros para chegar até uma unidade escolar e ter acesso ao conhecimento científico, oportunidade que, em alguns casos, os pais e familiares não tiveram na infância. “Os alunos durante as aulas presenciais, percorrem longos trajetos no transporte escolar em estradas rurais de difícil acesso dentro das fazendas e pequenas propriedades rurais, que incluem porteiras, mata-burros, caminhos dentro de pastagens em meio ao gado, morros e matos, pontes de madeira sobre os rios e riachos que fazem parte da hidrografia local, extensas áreas de plantações e paisagens incríveis que existem no território do nosso município”, conta a coordenadora Rosangela Rubel, da Escola José Bonifácio, do Distrito de Rio do Salto.
Já em tempos de pandemia, quando todas as esferas da Educação precisam se reinventar, a realidade do processo de ensino-aprendizagem é ainda mais desafiadora, desde a entrega das atividades remotas até o acesso às novas tecnologias, que tanto têm auxiliado alunos e professores neste período em que as aulas presenciais estão suspensas. E diante de tantas mudanças repentinas na rotina escolar, alguns fatores contribuem para que as crianças do campo permaneçam tendo acesso à Educação de qualidade e merecem destaque, como é o caso da parceria ainda mais efetiva das famílias, a dedicação dos profissionais da Educação e a força de vontade dos alunos. Em Cascavel não faltam bons exemplos como estes!
Conforme o relato de alguns profissionais da Rede Municipal que atuam em escolas do Campo nem tudo são flores e algumas dificuldades ficaram ainda mais evidentes neste período de isolamento, por conta da pandemia, como as diferenças sociais nas comunidades rurais, as dificuldades com relação à cobertura da internet em locais mais distantes e até mesmo a dificuldade em relação à troca de experiência entre os professores, já que muitos deles residem longe da escola. “Os desafios foram muitos, principalmente em relação ao difícil contato durante o horário de trabalho dos professores, pois muitos pais só acessavam o grupo no período noturno ou fim de semana, houve ainda aqueles que não tinham acesso à internet, apenas quando vinham para a vila ou para a cidade”, lembra a coordenadora Roseli Fiuza, da Escola José Silvério de Oliveira, do Distrito de São João do Oeste.
No entanto, os profissionais são unânimes ao relatar a alegria de alcançar um aluno, mesmo em tempos tão difíceis. “A satisfação acontece quando temos a oportunidade de encontrarmos os alunos, sendo possível conversar e compartilhar de alguns minutos com eles, realizando questionamentos e ouvindo o que eles tem para falar”, conta a coordenadora Neci Rodrigues de Souza, da Escola Aquiles Bilibio, do Centralito.
Transporte - Talvez o maior desafio do aluno de escola do campo seja a distância entre sua residência e a unidade escolar. Neste período de aulas remotas muitas famílias também têm dificuldade de deslocamento ou mesmo de conciliar os horários do trabalho no campo com a retirada das atividades na escola. Essa condição não ocorre em todas escolas do campo do município e já há aquelas unidades escolares em que 100% das famílias consegue observar as datas e os horários de retirada e devolutiva das atividades dos alunos, no entanto há casos em que os responsáveis pelos alunos não têm condições de se deslocar até a escola para cumprir com este compromisso.
“Durante a situação de pandemia da COVID-19, esses trajetos são percorridos pela equipe da escola e o motorista, que têm também que andar a pé por trechos em meio ao gado e cachorros até serem atendidos nas residências. São muitas dificuldades, porém uma aventura”, acrescenta coordenadora Rosangela Rubel.
Segundo o encarregado do setor, Laílson Miranda, no ano passado os motoristas da Secretaria chegaram a fazer a entrega de atividades para mais de mil alunos. As equipes das escolas, porém, vêm fazendo um importante trabalho de conscientização junto às famílias, sobre a importância de irem até a escola para tirarem dúvidas e repassarem aos professores informações sobre o progresso dos alunos, e com isso o número alunos que recebe as atividades em casa caiu para quase a metade. “Aquele pai que tem condições de ir até a escola deve aproveitar, pois é um momento muito importante, mas aqueles alunos que moram distante da escola e que não têm um veículo pra buscar a atividade, a gente entende que é importante a secretaria dar esse suporte, levando as atividades até o aluno”, reforçou Laílson.
Novas tecnologias - Apesar da dificuldade com o sinal da internet em algumas localidades, e a falta de familiaridade com aparelhos tecnológicos por parte de algumas famílias, o uso das novas tecnologias também tem sido uma importante ferramenta de comunicação entre o aluno e a escola. Muitas unidades já estão utilizando as plataformas digitais para a realização de aulas online, mas em função da oscilação do sinal e pelo fato de que muitas famílias utilizam apenas dados móveis para o contato com a escola, o whatsapp tem sido a principal ferramenta tecnológica utilizada pelas escolas do campo.
Na Escola Tomaz Antônio Gonzaga, do Distrito de Jangada Taborda, por exemplo, essa é a ferramenta mais utilizada. “É a maneira mais prática e rápida para troca de informações. Vamos utilizar também a plataforma Google Meet, contudo foi realizado uma pesquisa com os pais e muitos não têm acesso a uma internet de qualidade, dificultando a participação do aluno”, explicou o coordenador Álvaro Dai, que destacou que os professores têm se dedicado bastante na produção de vídeos como estratégia de interação com os estudantes.
Pensando nas particularidades de cada aluno, e nos casos em que não há acesso nenhum à internet, as escolas também redobram os esforços na confecção dos materiais impressos e recursos que os acompanham. E toda a equipe da escola colabora para que o conhecimento chegue da melhor forma até o aluno.
“A Instrutora de Informática auxilia os professores no momento da gravação entre outras questões em que é solicitada. A Monitora de Biblioteca tem gravado vídeos dramatizando, encenando ou contando e recontando histórias, utilizando diversos recursos. A diretora e a coordenadora analisam toda a produção realizada pelos profissionais e validam para disponibilizar para a comunidade escolar”, conta a coordenadora da Escola José Bonifácio, que também explica que nos casos em que a família não tem acesso às novas tecnologias, a família é auxiliada no ato de entrega das novas atividades.
Famílias - Nos grupos de whatsapp das escolas do campo não faltam depoimentos de gratidão por parte das famílias e dos próprios alunos. Para muitos, auxiliar os filhos nas atividades remotas seria uma tarefa impossível se não fosse a dedicação dos professores nos assessoramentos e por ligação ou por whatsapp, ou mesmo pelos vídeos explicativos que são encaminhados.
A Simone, mãe do aluno Enzo, da Escola José de Alencar, de Espigão Azul, resume bem isso. “Aqui em casa as atividades estão sendo um momento de adaptação, pois meu filho nunca tinha frequentado a escola e para ele tudo é novo, mas com um pouquinho de esforço e dedicação estamos conseguindo. Os professores também ajudam muito nas atividades elas vem bem explicadas, eles gravam vídeos, mandam o link de acesso que auxilia bastante na hora de executar as tarefas”.
O mesmo sentimento de gratidão é por parte das famílias que recebem as atividades em casa, que em muitos casos ocorre na companhia de um professor ou coordenador da escola, que aproveitam para sanar dúvidas e saberem do aproveitamento do aluno.
Equipe Pedagógica - A Coordenadora Pedagógica Municipal Bruna Pereira, que realiza assessoramento as Escolas do Campo, destacou a dedicação dos Diretores, Coordenadores Pedagógicos, Professores e Servidores das Escolas do Campo. “São extremamente comprometidos com a realização do trabalho. Neste período de Pandemia estão sempre buscando estratégias e diferentes formas de proporcionar aos alunos o acesso ao conhecimento científico”.
A fala da coordenadora da Escola José de Alencar, Sylvia Botelho, resume não só o sentimento de responsabilidade do professor do campo neste período de pandemia, mas de todos os professores que do dia pra noite tiveram que repensar seu trabalho para poder alcançar o aluno, mesmo que distante. “Nosso desafio como professor é constante e diário, pois esta forma de transmitir o conhecimento é muito nova para nós, então procuramos nos qualificar através dos cursos ofertados pela Semed, pesquisas de formas de inovar as aulas e torná-las mais atrativas”, reforça.
E quanto aos professores das escolas do campo, são profissionais apaixonados pelos seus alunos que antes mesmo destas mudanças impostas pelo novo Coronavírus já eram movidos por um desejo de oferecer sempre mais aos seus alunos e derrubar qualquer diferença de acesso à Educação de qualidade entre escolas rurais e urbanas. São profissionais que não se intimidam com a distância e que se reinventam quantas vezes for preciso para encontrar a melhor forma de levar conhecimento ao seu aluno. “Mesmo distante da escola, isso não foi e nunca será empecilho para o aluno estudar, tem que dar um jeito, uma forma de alcançar todos, mudar a estratégia faz parte do planejamento educacional”, palavras do coordenador Álvaro Dai.