Território Eficiência, um projeto científico?
Neste “projeto” em diversas ocasiões foram citados a ciência (inclusive com destaque na palavra “ciência” no nome) e as universidades, como pontos de suporte das ações, incluindo a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)....
O munícipio de Cascavel, elaborou um “projeto piloto” denominado Território Eficiência, o qual tem como proposta base realizar uma “testagem em massa” em um bairro do município. Segundo afirmou o próprio secretário de Saúde de Cascavel, Miroslau Bailak: “O projeto envolve a estrutura do bairro como um todo e esse estudo vai nos guiar para o Riviera ser o primeiro bairro a retomar as aulas, como modelo para a cidade e para o Brasil”. Neste “projeto” em diversas ocasiões foram citados a ciência (inclusive com destaque na palavra “ciência” no nome) e as universidades, como pontos de suporte das ações, incluindo a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), como mencionada pelo chefe de Gabinete e coordenador do Comitê de Crise em Cascavel, Thiago Stefanello: “O Território Eficiência envolverá diversas secretarias municipais, a Unioeste por meio da Secretaria da Ciência Tecnologia e Ensino Superior do Governo do Paraná, além de pessoas que representam os moradores locais. Vamos aplicar três eixos de ação. Um científico e saúde, um de prevenção e outro de fiscalização com orientação”.
Entendendo que a parceria Município – Universidade, seja extremamente válida e salutar para ambas as partes, em particular, quando se propõe a elaborar ações com finalidade de melhorar a qualidade de vida da população. No entanto, gostaríamos de fazer algumas reflexões a partir da proposta do “projeto” Território EfiCiência:
Ao afirmar que há neste “projeto piloto” ciência, como mencionado neste trecho de reportagem - “Uma série de ações de amplo estudo científico sobre o comportamento do vírus SarsCov2 em Cascavel” -, precisamos estar atentos a três elementos cientificamente importantes. Todo o projeto envolvendo seres humanos - em especial aqueles com coleta de material – devem, a princípio, ser submetido à aprovação prévia pelos Comitês de Ética em Seres Humanos. Pelas informações colhidas, até o presente momento não houve, para tal projeto, este encaminhamento. Qualquer publicação científica resultante destes dados fica, portanto, sob irregularidade, sobretudo para professores pesquisadores de universidades. Se há participação efetiva da Unioeste neste projeto, quem é o professor ou setor oficialmente responsáveis por sua execução? Quais são os professores, servidores e laboratórios de nossa instituição envolvidos? E principalmente, qual o objetivo da Unioeste neste projeto?
Testagem em massa é uma estratégia epidemiológica de controle de disseminação do vírus, necessariamente associada a outros recursos, e não serve como garantia de proteção, nem a professores e nem a estudantes. Proteção sanitária ao Sarscov-2 são distanciamento social, máscaras e higienização, e claro, vacina. Neste ponto, as máscaras de professores e alunos são apropriadas? Serão disponibilizadas, a estudantes e professores, número adequado de máscaras, em condições de realizar o número correto de trocas ao longo do dia, semanas e meses? As carteiras serão isoladas por barreira protetivas apropriadas? Há ampla ventilação das salas de aulas? Estas são recomendações básicas, já disponíveis pela Fiocruz em “Contribuições para o retorno das atividades escolares no contexto da pandemia de Covid-19”, disponível em: https://portal.fiocruz.br/
O Brasil tem sabidamente o pior cenário. Estamos em transmissão comunitária do vírus, com média móvel de 2.580 mortes (22/4). Usando “testagem em massa” como estratégia de controle, há segurança para professores, escolares e comunidade? Para aqueles que eventualmente venham a se contaminar neste processo, além de acompanhamento, o município irá garantir leito, kit intubação ou vaga em UTI se for necessário?
A prefeitura informou ainda que a testagem em massa, decorre da disponibilidade de kits de RT-PCR (mais de 30 mil) que, segundo o secretário da saúde do município, vencem em maio, portanto, precisam ser rapidamente usados. Logo, tendo o munícipio passado fases críticas de contaminação pelo vírus, por que este material não foi usado anteriormente? Além disso, passado o período de validade destes testes, o fluxo de testagem permanecerá o mesmo?
Considerando que a Unioeste foi citada como parceira, porque a mesma, tendo um laboratório especializado para RT-PCR e detecção do vírus não foi indicada para análise dos exames? Qual laboratório ficou responsável oficialmente pelos testes? Qual o custo financeiro ao município? Que laboratório fará o genoma viral?
Tendo o município mais de 30 mil kits para tal dosagem, querendo fazer ciência, esta não seria a oportunidade de testarmos por amostragem vários pontos da cidade? A escolha do Riviera, com a maior taxa de mortalidade por covid-19 em Cascavel, tem critério científico? Alta taxa de mortalidade não é critério apropriado para escolha da amostra. Além disso, a experiência brasileira mostra que manutenção das oportunidades de contaminação em populações que já tiveram elevado índice de contaminação, é um fator de pressão seletiva para a produção de novas variantes.
Preocupantemente, em recente reunião no Conselho Municipal de Saúde, o secretário de Saúde do Município, Miroslau Bailak, negou o caráter científico do projeto, afirmou não haver relação com volta às aulas e informou que é apenas uma proposta da prefeitura, não havendo necessidade de aprovação de comitê de ética. Ou seja, todas as informações iniciais do projeto divulgadas à imprensa e população são inverdades?
Embora, para todos os questionamentos feitos acima não exista, até o presente momento, uma resposta concreta, baseada em argumentos científicos do munícipio, a comunidade do Riviera já está sendo testada, as aulas em sistema híbrido já retornaram, e ao mesmo tempo o bairro vem recebendo diversas ações, inclusive com apoio do Exército. Logo é possível questionar: há realmente confiança e ciência no que está sendo realizado neste local? Finalmente, é preciso que todos estes dados sejam divulgados em tempos real, inclusive no que se refere às contaminações, internações e eventuais mortes que decorram desta ação. A participação da Unioeste em cada etapa precisa ser esclarecida.
Por todas as razões mencionadas acima, por acreditar que ciência se faz com ética, respeito e sobretudo com competência, estamos apreensivos quanto aos desdobramentos desta ação, em particular num munícipio que há pouco tempo indicava ivermectina e cloroquina para pacientes com covid-19. Os cidadãos, em particular as crianças, não podem servir de cobaias a um projeto do município.